O Uber, os Táxis e nós

A discussão sobre o Uber e os táxis vai sair das notícias em breve. É assim o ritmo dos media.

Gostava de ter guardar aqui uma lista de base que permitisse rever os argumentos e atores expostos na discussão Uber vs Táxis para quando o tema voltar à ribalta. Assim podemos rever mais tarde os argumentos requentados de um lado e de outro.

Este texto permitiu-me também organizar as ideias, algo bastante difícil no meio da algazarra descabelada dos nossos tudólogos com púlpito nos serviços noticiosos da nossa praça. (aqui no Jornal de Negócios, aqui no Dinheiro Vivo, aqui no Diário de Notícias)

Vamos começar por elencar os envolvidos:

  • nós, o Estado;
  • Empresas/cooperativas de táxis;
  • Empresas de carros de aluguer com motorista;
  • Donos de táxis;
  • Trabalhadores; e
  • A Uber.

Mas não nos podemos esquecer de nós, o Consumidor… Este parece um espetador passivo.

O Estado, aquela entidade a que, como os maluquinhos, nos referimos como “eles, o estado”, é na realidade um conjunto de cidadãos eleitos por outros seus concidadãos. Assim, quando dizemos “O estado é isto” ou “O estado é aquilo”, estamos na realidade a tentar desligar-nos psicologicamente da responsabilidade de termos eleito uns quantos de nós.

Desta tentativa absurda de desresponsabilização dos cidadãos falarei noutro sitio. Não vamos aqui falar da questão dos cidadãos que ignoram a sua obrigação de decisão, que vai para além do voto em eleições nacionais e que passa por participar em associações de defesa de interesse, partidos políticos e outros meios colocados à sua disposição pelo sistema democrático português através do contrato entre todos nós que é a Constituição da República Portuguesa.

O Estado é por isso gerido por um Governo composto de cidadãos que lá colocámos através do nosso sistema democrático. Assim, através deste mesmo sistema, as várias associações de defesa de interesse foram afetando a decisão de “nós, o Estado”. Estas decisões aconteceram a vários níveis e afetam todos os cidadãos, de forma vantajosa ou desvantajosa.

O Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres (IMTT), a autoridade nacional sobre a matéria, já se pronunciou, considerando a atividade da Uber ilegal em Portugal. Segundo a noticia de 2014, a Uber suspendeu a atividade e trabalha em Portugal apenas com a UberBlack que negoceia exclusivamente com veículos autorizados a fazer o serviço de transporte de passageiros.

Depois temos todos os empreendedores, que melhor ou pior foram trabalhando o mercado e moldando-o através da possibilidade de defender os seus interesses junto do poder político. Entre donos de carros de aluguer com motorista, taxistas que guiam o próprio táxi e empresas e cooperativas de táxis, há um conjunto de pessoas que, de acordo com a organização legislativa atual cumpriram o que lhes foi pedido.

A seguir temos os trabalhadores. Ignorando os falso recibos verdes, estamos a falar de outro conjunto de interessados, mas este apenas porque a sua condição não lhes permite adquirir um carro e ser eles próprios empreendedores ou porque não o querem.

No final da lista temos a Uber. Esta empresa veio apenas trazer para o homem comum o que as empresas há muito fazem entre elas. Organizou os interessados em torno de uma ferramenta. Criou um modelo de negócio em que em troca de serviços de obtenção de clientes recebe um valor por cada corrida. Vamos ignorar aqui a forma de organização interna à Uber dos preços e serviços porque esses não estão agora em disputa.

Por fim, retirei desta lista os consumidores. Aqui vamos falar de cidadãos que não pertencendo a nenhum dos outros grupos e fora do seu papel de participante político, necessita de serviços de transporte pessoais. Para estes foram feitas várias comparações entre um serviço e outro. (aqui na TSF, aqui no e-konomista, pela Eurosondagem) A Deco também se pronunciou, mas não tomando posição.

Aqui temos também de partir do principio que a Uber não presta o serviço de transporte, que não presta, mas sim um serviço de intermediação desse serviço. A legislação nacional e internacional não está nem nunca estará preparada para estas nuances. Isso obrigaria a leis com âmbito alargado e restritivo que impediria iniciativas mais criativas, como foi o caso da Uber. Nós, o Estado, não temos qualquer hipótese de antever todas as inovações que venham a surgir e não podemos condicioná-las à partida de forma racional por não haver forma de estimar os seus impactos antes dessas inovações serem conhecidas.

O que existem são condições de atuação semelhantes. As lojas de eletrónica, por exemplo, são em parte também intermediários entre o consumidor final e os fabricantes de equipamentos. Não são as lojas que fabricam ou reparam os equipamentos avariados. O conhecimento necessário para o fazer é muitas vezes reservado ao próprio fabricante. No entanto é a loja que tem de garantir o suporte direto ao consumidor quando o aparelho falha dentro do período de garantia. A mesma coisa se aplica aos mediadores imobiliários. Também estes têm obrigações para com o comprador, mesmo não sendo eles o dono da casa que estão a vender.

Se tudo o resto for igual, a diferença entre o serviço de Táxis e o serviço da Uber depende apenas da inovação tecnológica. Mas isso seria ignorar todo o resto, o que invalida qualquer argumentação de que se trata apenas de uma inovação. Mas o argumento não pode pura e simplesmente ser ignorado.

Os Táxis de praça gozam de um bem tornado escasso por falta de atribuição de novas licenças. Quem atribui as licenças é pressionado pelos detentores das atuais licenças para não deixar entrar novos empreendedores (players). Isto é assim para vários setores ou mercados. Veja-se o caso da ordem dos médicos que pretende a redução do número de vagas para médicos nas faculdades ou a discussão em torno de um novo canal de televisão de difusão livre. Os detentores atuais do direito de atuar no mercado ameaçam com a rotura do mercado e o decisor vê-se a braços com uma decisão difícil por ter atendido a primeira vez ao pedido de restrição.

No caso do serviço de táxi, os novos empreendedores que queiram prestar o mesmo serviço ou compram a preços faraónicos essa possibilidade, sai um carro e entra outro, ou não podem concorrer neste mercado. As licenças que há já foram emitidas e raramente se emitem novas. Ficam assim apenas disponíveis alguns serviços para quem queira operar neste mercado, menos rentáveis por serem especializados, o que aumenta as exigências de acesso. Aqui o problema não é propriamente a Uber. Em Portugal problema já lá estava. A Uber só veio colocá-lo em claro por facilitar a vida a quem tinha os serviços de aluguer de motorista.

Quando dizemos que “Ah e tal o Estado criou uma corporação formada por Taxistas.”, partindo do principio que isto aqui não é uma cambada de malandros e gatunos, aquele principio da inocência também se aplica. É que “nós, o Estado” tomámos muito provavelmente esta decisão de limitar o acesso às praças de táxi porque na altura se demonstrou que se aproximaria uma oferta em excedente que resultaria na rutura do mercado. Podemos agora questionar a forma como se demonstrou a rutura de mercado, mas se for como fazem os cálculos para a previsão do tráfego nas auto-estradas, então estamos mal.

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  1. Parece que a Comissão Europeia já deu a ordem, ou seja, eles mandam…

    Democracia? Isto é outra coisa.

  2. Amiga Sonia,

    Bruxelas costuma ser cautelosa na forma como aconselha este tipo de imposições. Antes de comentar tenho por isso de ler o documento que o artigo do público indica.

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