Porque não temos mais filhos

O Henrique Raposo, que escreve no Expresso, diz que “Não temos filhos porque começamos a trabalhar a meio da manhã”. Diz o autor que:

Nós começamos a trabalhar às 9 e tal, 10 horas, almoçamos entre as 13 e as 14.30 e, claro, saímos estupidamente tarde, cansados e sem tempo para crianças.

O texto tem fábulas com que me identifico, mas é pena não serem explicativas da natalidade, como o autor tenta fazer crer. Avaliando o problema e olhando para os horários e horas disponíveis no dia levou-me a duvidar que as fábulas fossem representativas do que realmente poderia estar a acontecer.

Em relação a trabalhar para além das 8 horas diárias, cheguei a fazer o papel do Herr Alemão. Dizia a quem ficava até mais tarde que não podia sêr porque isso afetaria a sua prestação no dia seguinte.

A natalidade é um problema no nosso pais, não porque tenhamos habitantes a menos, mas porque temos menos habitantes ativos do que pensionistas a usufruírem das prestações sociais que a população ativa entrega aos governos para redistribuir. Isto já era previsível desde os meus tempos de escola. A pirâmide demográfica aparece invertida, o que significa que o topo, onde está descrita a quantidade de população mais idosa, é maior que a base, onde está descrita a população mais jovem.

Façamos de conta que a premissa está correta e que “não tenho filhos porque não iremos ter disponibilidade para eles”. Porque será que começar tarde e acabar tarde pode ter impacto na disponibilidade para as crianças? Afinal bastaria estar a família toda sincronizada. Não há uma hora ótima e outra má desde que estejam todos juntos um período do dia, durmam 8 horas e se divirtam todos juntos.

Então o que poderá estar na origem da tendência de baixa da natalidade. Talvez se espreitássemos os dados do European Social Survey pudéssemos encontrar uma variável explicativa mais ligada à realidade do que “Ah é porque começou tarde e saiu tarde.”. Poderíamos estudar outros suspeitos:

  • Tempo fora de casa (deslocação+duração do trabalho);
  • Rendimento disponível nas famílias sem filhos; ou
  • Rede de suporte durante o período de ausência dos pais.

A questão do tempo disponível é importante, mas o que reduz esse tempo não é chegar tarde. Poderá talvez ser a duração das deslocações diárias pendulares. A falta de rendimento disponível interfere com esta e a seguinte. Se tem menos rendimentos, as opções são menores e provavelmente inferiores na capacidade de dar tempo ao tempo.

A rede de suporte para o período de ausências dos pais acaba por consumir os recursos disponíveis do casal. A oferta é cara e muitas vezes de qualidade duvidosa face aos racios de educador por crianças.

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