Balanço da Segunda Circular

Hoje era para ser o último dia da consulta pública sobre a proposta da Câmara sobre a Segunda Circular. Mas, tal foi adiado para o dia 29 de Janeiro. Ainda assim, vamos fazer o balanço que seria transmitido no âmbito da Consulta Pública, e que vai ficar assim a marinar mais alguns dias.

O projecto apresentado pela Câmara tem algumas virtudes:

  • Diminuir os acidentes parece-me uma das mais louváveis, mas eu também conseguiria diminuir os acidentes na Segunda Circular se a fechasse. Se se reduzisse a velocidade máxima para 30 Km/h, os acidentes também teriam menos impacto, mas ainda assim existiriam… A diminuição de acidentes não pode ser conseguida à custa da redução de velocidade. Adicionalmente, vários comentários na Internet chamaram a atenção para o problema, visível nos renders, de aproximar veículos de passeios de peões, bem como de árvores, que poderão contribuir para um aumento de sinistralidade.
  • Reduzir o ruído parece-me igualmente fundamental! Já vivi num prédio voltado para a Segunda Circular e posso atestar o problema! A colocação de um tapete com características redutoras de ruído parece-me essencial, mas o resultado é de apenas cerca de 6 a 7% . As restantes soluções que a Câmara propõe, nomeadamente de barreiras acústicas, parecem igualmente pouco significativas…
  • Remodelação das redes de drenagem, um aspecto do qual não encontrei referências mais específicas, mas que é desejável, dado que uma intervenção deste género é a oportunidade para assegurar que não se farão obras adicionais nos tempos mais próximos.
  • Reduzir a poluição é outro objectivo louvável, mas não é reduzindo a velocidade ou plantando árvores que se consegue esse objectivo, como bem lembrou Francisco Ferreira, ex-Presidente da Quercus. Na verdade, os automóveis modernos são mais eficientes a 80 Km/h do que a 60 Km/h, e a presença de vegetação pode contribuir mesmo para aumentar localmente a poluição.
  • Cria uma saída directa para a Avenida Padre Cruz. Infelizmente fica-se por aqui, e fecha mesmo outros acessos fundamentais.
  • Requalificação da zona envolvente, na medida em que a Segunda Circular poderia ter um aspecto muito mais interessante, quer para transeuntes, quer para os seus “vizinhos”, quer mesmo para aqueles que só estão de passagem, como os turistas.

O projecto apresentado pela Câmara tem todavia muitos aspectos particularmente negativos:

  • Árvores no separador central não servem nenhum objectivo concreto, a não ser meramente paisagístico e psicológico, como foi referido pelo Francisco Ferreira. É uma das componentes que mais certamente condicionará o impacto das obras no trânsito, exigem uma manutenção periódica e que condicionará então o trânsito,  e muita infraestrutura para garantir uma manutenção adequada. Tudo isto terá um impacto muito grande no custo, conforme foi posteriormente avançado pela Câmara. De acordo com os renders, a possibilidade de invasão da faixa de rodagem contrária passa a ser uma forte possibilidade em vários cenários, pelo que a colocação de rails de protecção parece ser absolutamente necessária. O crescimento posterior dessas árvores condicionará a iluminação, como é notoriamente visível nos renders, bem como o próprio pavimento.
  • Análise financeira inexistente, dado que nada é contabilizado financeiramente, a não ser o custo do projecto, que é de aproximadamente 10 milhões de euros, mais IVA. Não se sabe que vantagens económicas traz, em que períodos, nada! Já para não falar dos prejuízos que trará, que esses são mais que certos! Um exemplo claro é o prejuízo que trará a eventos como a Web Summit, que decorrerá certamente no pico das obras previstas! Sabendo que a questão do trânsito foi aparentemente a razão principal para a Web Summit sair de Dublin, dá-me ideia que Paddy Cosgrave não ficará propriamente entusiasmado com este planeamento.
  • Diminuir o trânsito é um motivo utópico. O trânsito iria se adaptar a tal mudança [O URL para o post no ocorvo.pt de 13 de janeiro de 2016 “Será mesmo possível transformar a segunda-circular numa nova avenida” foi removido porque de acordo com o Google Safe Browsing diagnostic page contém malware]! Aliás, já o faço pessoalmente, evitando a Segunda Circular sempre que posso, e assim invadindo ruas paralelas, nomeadamente na zona de Benfica, Telheiras e Alvalade. Ninguém tenha dúvidas que essas artérias vão ser martirizadas durante e depois das obras! E isso tem impacto naturalmente noutros aspectos, nomeadamente no aumento de sinistralidade que se irá verificar nas vias que receberão o tráfego adicional, e que será certamente potencialmente mais grave nas vias adjacentes à Segunda Circular, por poder vir a afectar nomeadamente peões. Por isso, esta é a pior solução que os actuais “vizinhos” da Segunda Circular podem esperar!
  • A CRIL não é nenhuma alternativa, como quem passa nela sabe perfeitamente! O que se passa ao fim do dia para os lados da Expo é de levar qualquer um à loucura. O túnel do Grilo é o que se sabe. O estrangulamento a duas vias é uma constante daí até se passar por baixo do IC-22. O traçado entre o IC-16 e o nó da Buraca está praticamente todo limitado a 70 Km/h, com várias vias já limitadas a 50 Km/h.
  • O Eixo Norte-Sul não é igualmente alternativa, estando já sistematicamente congestionado ao início da manhã e final da tarde. Precisa urgentemente de várias intervenções, e nunca será uma alternativa à Segunda Circular, no trânsito destinado e proveniente da A1, nomeadamente pela forma como acaba na CRIL, e como esta se interliga com a A1.
  • Projecto sem estudos/consultas devidos, que causaram reacções de estupefacção em vários meios. Algumas das mais significativas vieram do sector aeronáutico, nomeadamente dos pilotos, e da GPIAA.  Os taxistas que conhecem a cidade como ninguém também se pronunciaram, bem como o ACP, mas sobretudo surpreendeu-me a posição da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados. A posição da MUBI é igualmente compreensível, dada a natureza praticamente plana da Segunda Circular.
  • Não pensa nos trabalhadores, que utilizam a Segunda Circular, como indispensável instrumento da sua vida quotidiana. Os que entram em Lisboa provenientes da A1, do IC-19, e mesmo de outras vias de ligação com Lisboa. E daqueles que saem ao fim da tarde.
  • Não faseamento da obra, pois pensar que se pode fazer a obra projectada no tempo projectado, é simplesmente impossível. Depressa e bem há pouco quem… A obra devia ser faseada, resolvendo os problemas mais prementes e daí passar para os menos relevantes.
  • Estreitamento das vias, só é necessário para atender ao fundamentalismo da insistência nas árvores no separador central. Este estreitamento das vias conflitua, entre outros, com o objectivo de diminuição do número de acidentes.

Nesse sentido, elaboramos um conjunto de propostas alternativas às avançadas pela Câmara. Defendo que os pontos que apresentei como virtudes devem ser mantidos, embora com algumas modificações como a seguir referiremos. As propostas que efectuamos têm o seguinte enquadramento:

  • Minimizar o impacto económico da obra, optimizando os recursos utilizados, em função dos resultados a alcançar. Esperar demasiado não é igualmente uma opção, pois os custos indirectos, sobretudo daqueles que perdem o seu tempo na Segunda Circular, é um custo enorme!
  • Manter a velocidade nos 80 Km/h, pois a Segunda Circular suporta claramente essa velocidade. Há um argumento interessante, mas muito falacioso que anda por aí, e que refere que a diminuição de 80 Km/h para 60 Km/h implica uma perda de tempo de apenas pouco mais de 2 minutos em toda a sua extensão. Mas, se multiplicarmos 2 minutos por cerca de 100 000 automóveis que lá passam por dia, muitos com mais que uma pessoa, a quantidade de tempo perdido pelos automobilistas seria de 200 000 minutos por dia, o equivalente a 3 333 horas de trabalho/lazer perdidas cada dia. Se forem 3 minutos, como afirmou o verador Manuel Salgado, então a perda diária é de 5 000 horas de trabalho/lazer!
  • Aposta num ordenamento inteligente da velocidade, em detrimento da caça à multa através de uma bateria de radares, no sentido de maximizar a fluidez do trânsito. Dado que é inegável que em situações de congestão minimizar a velocidade pode contribuir positivamente para essa fluidez, esse sistema inteligente adaptaria a velocidade máxima às condições de circulação, nomeadamente do trânsito mais à frente. Naturalmente, nos restantes casos, manter-se-ía o referido no ponto anterior, com uma velocidade máxima de 80 Km/h, ou mesmo superior nalguns troços!
  • Conciliar as alterações com a potenciação de transporte público, o que manifestamente não parece ser abordado na proposta da Câmara. As propostas que efectuamos privilegiam um interface de autocarros expresso nas imediações da estação do Metro no Campo Grande, e por cima da Estrada da Luz que é um dos principais eixos da Carris. Retiramos igualmente paragens que parecem não servir a ninguém, como parece ser o caso da paragem junto ao hipódromo. Uma linha como a 750 da Carris poderia beneficiar muito destas alterações, com outras a poderem ser adaptadas a este novo paradigma.
  • Desatar os cruzamentos de entrada/saída na Segunda Circular, que são claramente o seu problema. As quatro soluções propostas partem todas do princípio básico da teoria das filas de que devemos evitar, nestas situações, as saídas de trânsito da Segunda Circular logo depois de outras entradas.
  • Maximizar o escoamento do trânsito no sentido da saída da cidade. As soluções que apresentamos visam contribuir para não aumentar o trânsito de entrada em Lisboa. O que procuramos primeiro foi privilegiar a facilidade de saída através da Segunda Circular. Tal é conseguido com obras muito simples no nó da Buraca, e especialmente entre o Campo Grande e o Aeroporto.
  • Redução efectiva do ruído, através da colocação de mais barreiras acústicas.
  • Faseamento das obras, o que permite medir o impacto das alterações efectuadas, e porventura até evitar outras.
  • Melhorar a envolvente da Segunda Circular, garantindo que o trânsito flua pela Segunda Circular, e que deixe de atravessar as suas zonas envolventes, nomeadamente de Benfica, Telheiras e Alvalade. Ao contrário das propostas da Câmara, que canaliza para aí parte do trânsito que sairia da Segunda Circular, a nossa proposta vai no sentido de que esse trânsito se mantenha na Segunda Circular, sem contaminar as zonas envolventes.
  • Ampliação dos espaços verdes, que são compatíveis com a proposta avançada pela Câmara, com excepção do separador central. Nalguns casos, e porventura nos mais determinantes, é possível devolver mais espaço aos peões e mesmo ciclistas, como é o caso de ligação entre a Estrada da Luz e o Colombo, onde a proposta da Câmara mantém uma passagem existente mas impraticável, enquanto a proposta que avançamos permite um corredor de circulação alargado para peões e mesmo uma alternativa de passagem para ciclistas.
  • Avaliação do Impacte Ambiental do projecto, para avaliar os possíveis impactes ambientais significativos, diretos e indiretos, mas também para verificar à posteriori a eficácia das medidas adoptadas, para que não se verifiquem situações como as do caso da Avenida da Liberdade.
  • Manter a proximidade do aeroporto da Cidade, que todos assumem como um factor que beneficia Lisboa, enquanto cidade periférica da Europa. Encaminhar o trânsito do Aeroporto, que segundo a própria Câmara é contabilizado em 38 000 veículos diários, para vias alternativas como a CRIL, é legitimar a ideia de que os taxistas andam sistematicamente a enganar os turistas. É igualmente a forma de inflaccionar os preços praticados pelos taxis. Em vez de retardar a chegada e partida dos turistas, e outros passageiros de e para o aeroporto, é preciso garantir o percurso mais rápido, e de forma o mais previsível possível.

As quatro propostas concretas que efectuamos foram as seguintes, as quais descrevemos aqui ligeiramente:

  • Campo Grande – Aeroporto: O objectivo é evitar que o trânsito originado no viaduto do Campo Grande, com destino ao Aeroporto, seja condicionado pela entrada do trânsito originado no eixo Avenida da República/Campo Grande. Com a criação de uma via adicional, a junção de trânsito será muito mais fluída. O custo de implementação é muito pequeno, sendo necessário apenas acrescentar ligeiramente um túnel entre a rua das Murtas e a rotunda das Calvanas. Uma rotunda entre a Segunda Circular e a entrada norte do Parque da Saúde poderia ainda agilizar mais o trânsito, e mesmo abolir uma saída e outra entrada, com a sua colocação a nascente do referido túnel.
  • Nó da Buraca: A saída para o IC-19, CRIL-Norte e CRIL-Sul congestiona pela junção da Segunda Circular e Radial de Benfica, seguida do cruzamento do trânsito de saída. A separação do trânsito destinado à CRIL-Norte permite retirar o primeiro e mais significativo cruzamento nesse nó. Um viaduto sobre a estrada do Calhariz de Benfica permite ainda criar uma zona de aceleração com o somatório das três vias da Segunda Circular e duas vias da Radial de Benfica, assegurando uma muito maior fluidez de trânsito. O custo, para além do viaduto sobre a estrada do Calhariz de Benfica, é muito reduzido.
  • Nó do Colombo: Antecipar a saída para o Colombo, antes da entrada do trânsito proveniente da Estrada da Luz, garante o não cruzamento dos veículos, aumentando ainda significativamente a capacidade da Segunda Circular na zona. A proposta potencia ainda a capacidade oferecida pela Avenida Condes de Carnide. A proposta recoloca, amplia e melhora substancialmente o actual local de paragem dos autocarros da Carris, e cria a possibilidade de um corredor para peões e ciclistas entre a estrada da Luz e a envolvente do Colombo. A saída da Segunda Circular para a estrada da Luz, no sentido Sete Rios, é alterada. O custo é ligeiramente elevado pela necessidade de um pequeno viaduto.
  • Campo Grande: A proposta avançada é bastante complexa, envolvendo tal como a da Câmara uma saída em viaduto para a Avenida Padre Cruz para quem vem do Aeroporto. Aproveita-se esse viaduto para relocalizar a saída para o eixo Campo Grande/Avenida da República, que na proposta da Câmara é pura e simplesmente abolida. A partir da entrada no Campo Grande, com direcção ao Eixo Norte-Sul, é proposta uma quarta via em toda a extensão. No sentido contrário, é proposta uma quarta via, ainda antes da Azinhaga das Galhardas, até ao início da saída para o Campo Grande. Efectua-se a relocalização das paragens de autocarro, de forma a privilegiar o interface com o Metro do Campo Grande. A solução só é um pouco mais complicada por causa do viaduto para a Avenida Padre Cruz, aliás bastante semelhante ao proposto pela Câmara.

Este artigo será a base do contributo do Poupar Melhor, a endereçar à Câmara no âmbito da Consulta Pública que está a decorrer. Nesse sentido, este artigo poderá vir a ser ligeiramente alterado, por mais contributos que surjam, por referências adicionais a determinados artigos que justificarão determinadas afirmações, bem como a outras ideias que incorporaremos, desde que contribuam realmente para uma melhoria global da Segunda Circular, daqueles que nela transitam, e de toda a Comunidade que a rodeia.

Este artigo foi alterado a 26 de Janeiro, para incluir diversas referências novas, nomeadamente da proposta de um ordenamento inteligente da velocidade, do potencial de risco associado às obras nomeadamente do impacto na Web Summit, na necessidade de mais barreiras acústicas, na necessidade de rails de segurança para evitar acidentes, na urgência de uma Avaliação de Impacte Ambiental, e na actualização do desperdício diário de tempo resultante dos cálculos do verador Manuel Salgado. Foram ainda incorporados links adicionais relativamente à conferência ontem organizada pela Ordem dos Engenheiros.

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  1. Não tive ainda oportunidade de ler todas as publicações aqui feitas, contudo parece-me ainda não haver referido o impacto da redução de tráfego na 2ª circular na travessia da parte oriental/ocidental para a parte ocidental/oriental.
    Se se olhar para um mapa da região de Lisboa é fácil identificar as reduzidas avenidas que possibilitem a passagem entre aquelas zonas. Mesmo as existentes têm algumas sido alvo de alterações, reduzindo o seu fluxo (ex. alameda da reitoria, Ribeira das Naus).
    De notar que de “circular”, em Lisboa, apenas existe uma metade (a outra será a via marítima!)

  2. MM,
    É um ponto excelente o que refere. É cada vez mais difícil fazê-lo, e os transportes públicos não respondem genericamente a essa orientação do trânsito.
    É por isso que a Segunda Circular tem que levar um “upgrade”, e não um “downgrade” como a Cãmara está a propôr.

  3. Ao equacionar o propósito de mudança da segunda circular estamos somente a olhar para o “umbigo” do problema em termos somente políticos de obra feita. Vamos tentar encarar de uma forma generalista o “corpo todo” com enfase na aplicação de conhecimento por técnicos formados em transportes , electronica, paisagismo e tantos outros que podem dar o seu contributo à porta de entrada de Lisboa. Na zona metropolitana se incluíssem no passe (sem custos) o parqueamento nos acessos à rede ferroviária (ex: zona sul-norte-oeste Corroios-Alverca-Amadora), colocar a CREL em livre transito, interligar semáforos em rede de forma sincronizada (ex:Alta de Lisboa -instalação recente de A para E em velocidade regulamentar fica-se parado em B – C – D – E) , interagir com as Juntas de freguesia no propósito de saber as necessidades da população, tantos outros exemplos que …….. milhões euros seriam melhor distribuídos. ————–Bem hajam por esta “alavanca” de opinião partilhada

  4. Carlos T,
    Concordo totalmente consigo, e na visão de planeamento global que falta. As obras são numa base ad-hoc, não parecem falar sequer uns com os outros, quanto mais com os concelhos vizinhos…
    Os problemas do trânsito são fáceis de perceber, mas não são arquitectos que os vão resolver! Deviam deixar isso para os especialistas. Os problemas ambientais, idem, e é um fartote de riso ver um ex-Presidente da Quercus a dizer que aquilo é apenas psicológico. Aliás, amanhã vamos confirmar que ainda é pior, com um artigo que vamos publicar, em que demonstraremos que as árvores na Segunda Circular vão mesmo contribuir para piorar a poluição em Lisboa!
    Quanto aos semáforos, é uma lástima ver que estamos ainda na pré-história da tecnologia em Lisboa. Acredito que a modernização custe dinheiro, mas estar parados no trânsito tem custos porventura muito superiores…
    Vamos esperar que os contributos da Consulta Pública sejam tidos em conta, mas tenho dúvidas…

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